16 de abril de 2020

Ato 1, Cena 1


Sejam todos muito bem-vindos!
Quando entrarem, as pessoas mentirão para vocês. Dirão ser quem não são. Tudo foi ensaiado e todos sabem quem morre no fim. É teatro.
Eu sou o poeta, o pintor, compositor, escultor, diretor, dane-se os nomes. Ao entrarem vocês verão minha tela. Meu azul turquesa, meu fá sustenido, minha rima preciosa. Perdoe-me se a cadeira não for confortável, se a música estiver muito alta, ou se o violino estiver desafinado. Confesso que nunca me preocupei em te agradar, vocês nunca estarão satisfeitos, e é por isso que eu insisto nisso. Somente aos maníacos agrada ver vísceras expostas. Mas, desculpe, eu não pude contê-las. 
Se virem alguém dormindo acordem, dê-lhe um cutucão discreto,  uma balançada, ou dê-lhe um quente e sujo beijo na boca, afinal  sonos sentados fazem mal pra coluna.


O Pintor ao ver a rosa no vaso, lambuza seu pincel em cores. Por mais que ele insista, o branco nunca vai ser pétala, o verde nunca vai ser caule, nem tampouco o azul será céu. A tinta nunca vai ser rosa. É uma mentira, uma ilusão. No entanto, por mais que aquele combinado de cores não seja flor, a rosa nunca deixou de existir.
Entrem todos e ocupem seus lugares. Rapazes entrelacem seus dedos nos da sua garota, seu garoto, ou em quem não precisa de um gênero pra te faça sorrir. Se forem comer pipoca, acostumem-se com os ratos. Não se assustem com os sinais, serão só três porque precisamos deixar os atores se borrando de medo de vocês. Aqueles mentirosos safados que estudaram muito para enganar tolos masoquistas que gostam de mentiras partiturizadas. Tudo é  uma grande mentira, foi ensaiado, é teatro. Mas lembrem-se sempre: AS ROSAS EXISTEM.

11 de janeiro de 2015

Não chovia la fora


Eu quero arrancar minha cabeça. Quero ver meus olhos explodirem. Ver minha garganta tentando roubar o ar de onde não existe. Estraçalhar meu crânio e de dentro tirar o cérebro. Quero machucar meu cérebro. Quero esfaquear meu cérebro. Declaro meu cérebro culpado. Ele me faz mal. Meu cérebro é cruel. Não entendo o prazer mórbido que minha cabeça tem em repetir, em looping, lembranças que não quero ter. 

Estou sentado na ponta de uma mesa de jantar gigante coberta por um tecido vermelho-morto. Estou de smoking. Estou de vestido. Não estou vestido. Vejo minha mente caminhar em minha direção para me servir, em uma bandeja de prata, as imagens que não quero lembrar. Acorrentado a cadeira, sou obrigado a me servir de visões indigestas. Eu quero vomitar, eu quero arrancar minha boca e meu estômago para ser incapaz de comer. Sinto minha roupa molhada, ensopada, encharcada de água salgada. Chovia do lado de dentro. Me afoguei.

9 de novembro de 2014

ofegante, suado e bêbado

MONSTREUX

Preciso ficar bêbado, raspar o cabelo, comprar roupa velha, meter num canto escuro, nadar pelado, fechar o olho e sentir as luzes na cara de puta que só eu sei fazer. Quero dançar grudado, quero dançar roçando, quero dançar suado. Quero sentir respiração cansada na nuca. Quero beijo mordido, beijo com teus cachos que caem na cara. Cabelos e pentelhos. E arranham-se as costas, o peito e marca-se o pescoço de roxo. Inebriar-me vendo meu pau refletido no teto e rolando num colchão rasgado. É hora de dançar ballet no submundo. De sapatilha, de salto quebrado, de all star rasgado.

Menos gelo e mais álcool. Deitar com tudo rodando, garganta doendo, pé latejando e a roupa manchada nem quero saber do quê.


12 de setembro de 2014

A morte do filho de Deus

Michelangelo, La Pieta _    I want to see this in person!! I love love LOVE this sculpture!!!  I have a small replica at home....

O acinzentado e opaco olho da mãe ao ver o corpo do filho. 

Um ensanguentado corpo que já não assumia feições humanas.
Sacro corpo do homem que quis amar.
 Cordeiro inocente levado ao matadouro.

As autoridades lavavam suas mãos e não assumiam a culpa da morte daquele. Os sacerdotes justificavam a sentença. A multidão ali presente caçoava, regozijava e se alimentava do sofrimento de quem ela acusava de pecador.  
No corpo morto, marcas narravam tortura. Humilhação. Dor. O sofrimento do homem tinha as lágrimas fundidas ao sangue. Que teve esperança de escapar, até que entendeu que não sairia dali.
Covardemente morto e consumido pelo pânico de não poder fugir.
Os assassinos escreveram um letreiro dizendo por que matavam. Queriam que todos tivessem medo e deixassem de amar como ele amou.
O acizentado e opaco olho da mãe com seu filho morto nos braços transbortava uma alma que agonizava. Olhando por entre a carne exposta, ela tenta reconhecer os traços daquele menino que um dia ele foi, que ela amou, que ela embalou e que agora não vive. Dolorosa pietà.


Essa Barbárie dói.
Naquela mãe.
Nos que amam.
Em mim.
Esses relatos, poderiam ser sobre a paixão de Jesus Cristo, mas são sobre o cruel assassinado de João Antônio Donati, aquele que a homofobia também matou.

3 de agosto de 2014

Éden


Dois corpos. Desnudos. Suados. Gemidos. Cada arrepio se contorce na busca do fôlego perdido. O céu florido envolve e aquece aquelas peles sedentas. Adão e Eva despudorados, sem nada que cubra teus sexos. Apenas bicho-macho e bicho-fêmea. Apenas Bicho-macho-fêmea. Bicho que ora é macho, ora é fêmea e ora não é. Paraíso secreto conhecido por só dois amantes. Intimidade máxima. Lugar onde todos os frutos são proibidos. Onde todos os frutos são devorados. Onde apenas seus olhares ditam o que é lei, nada mais. Lugar onde amar pode. amar deve. 

Éden, lugar onde se transborda.